
| “Memórias são fantasmas que me sopram aos ouvidos coisas que eu nem quero saber” | Black Mirror 7×6 Eulogy
Em Eulogy, um dos episódios mais marcantes da 7ª temporada de Black Mirror, acompanhamos a história de Phillip, um homem recluso que recebe uma proposta inusitada: participar de um experimento para criar uma homenagem póstuma hiper-realista. Usando uma tecnologia que acessa memórias por meio de fotografias antigas, Phillip é convidado a revisitar momentos intensos de seu passado. A proposta inicial é simples: resgatar uma boa lembrança de Carol, sua ex-namorada que faleceu recentemente, para ser compartilhada em seu funeral. No entanto, ao mergulhar em suas memórias, Phillip percebe que nem todas as recordações são tão simples assim.
A trama nos leva a um profundo processo de reconciliação de Phillip com seu passado, especialmente ao tentar relembrar Carol. Curiosamente, ao procurar reviver a imagem dela, ele não consegue se lembrar de seu rosto. Esse bloqueio nos leva a uma questão interessante: o que poderia ter causado tamanha amargura a ponto de apagar até a imagem de alguém tão querido? O que Phillip não consegue perceber de imediato é que, ao longo dos anos, seu trauma afetivo o levou a modificar essas memórias, recortando e riscando o rosto de Carol nas fotos, como se o fizesse desaparecer da sua vida.
À medida que Phillip revisita o passado, ele é transportado para dentro das fotos, revivendo momentos que ficaram congelados no tempo. A cada foto, ele revela detalhes não apenas da sua relação com Carol, mas também da personalidade explosiva que sempre teve. A música, que também faz parte de sua história com Carol, se torna uma chave para a compreensão do vínculo entre eles.
Esse processo de revisitação das memórias leva-nos a refletir sobre a complexidade do cérebro humano. Sabemos que ele, por uma questão de sobrevivência e economia de energia, tende a “apagar” memórias difíceis ou traumáticas. No caso de Phillip, ele suprimiu a imagem de Carol, não por ser incapaz de lembrar, mas como uma forma de proteger-se da dor. O cérebro de Phillip, sem dúvida, tentou defender-lhe de um trauma profundo que ele mesmo causou e nunca soube lidar.
Agora, mais maduro, ele consegue ver o quanto foi egoísta e impulsivo no passado, permitindo que sua raiva e imaturidade cegassem qualquer possibilidade de reconciliação. A carta não lida, o rompimento abrupto, e a separação que durou décadas são os reflexos de sua incapacidade de lidar com o próprio ego e suas emoções. Sua busca por Carol nas memórias acaba sendo, na verdade, uma jornada de autodescoberta, onde ele confronta suas falhas e entende os fantasmas que o assombram.
Essa história me lembra a música Memórias da Pitty, onde a letra diz: “Memórias não são só memórias, são fantasmas que me sopram aos ouvidos coisas que nem eu quero saber”. Phillip, de certa forma, vive essas memórias como fantasmas. Fantasmas que sussurram verdades incômodas que ele não soube ou não quis escutar durante a vida.
No fim, Phillip percebe que, ao longo de sua vida, viveu mais em função de seus traumas do que de suas possibilidades de felicidade. O amor que poderia ter vivido ao lado de Carol foi perdido por conta de suas próprias limitações emocionais. O que ele aprende, no entanto, é que a verdadeira cura só vem quando conseguimos enfrentar e absorver as sombras do passado, transformando os fantasmas das memórias em lições de vida.
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